O início da história de Israel
remonta aos Patriarcas , isto é, os Pais da pátria
(Abraão, Isaac, Jacob), que viveram por volta do século XIX
[1850] a.C. As tradições orais, que têm como referentes os
Patriarcas, foram registadas por autores sagrados em diversos
contextos. Assim:
- Os teólogos da corte real de Jerusalém, no século X a.C., para
apresentar a realeza davídica como o cumprimento da promessa de
Deus feita aos pais da nação (tornaram grande o teu nome…
in Gn 12,2, trecho paralelo a 2 Sm 7,9 e 11). Os autores usaram
a técnica literária dita projecção retrospectiva; a qual
consiste em fazer anunciar um acontecimento, conhecido pelos
contemporâneos do autor, muito tempo antes da sua ocorrência.
- Os teólogos do reino do Norte (reino de Israel) no século.
VIII a.C. para recordar a fidelidade e a benevolência do Deus da
Aliança (2Re 13,22-25) para quem os hebreus se haveriam
de voltar em tempo de idolatria e de corrupção. (Veja-se Am
2, 6-15).
- Os teólogos exilados na Babilónia (da classe sacerdotal), no
século VI a.C., para revitalizar a fé dos hebreus deportados e
estimulá-los a preparar o retorno a Jerusalém. Na tradição dos
Patriarcas, com efeito, a aliança e a posse da terra foram dadas
aos Pais da Pátria enquanto dádiva perene (Gn 17, 1-8; Dn
3,34-36), sem pedir nada em troca, nem mesmo a fidelidade.
Diferente será a situação no Sinai, onde o pacto da aliança
exigirá a fidelidade ao mesmo pacto.
- Os teólogos de Jerusalém depois do exílio (século V-IV a.C.)
reelaboraram a tradição patriarcal, conferindo-lhe um cariz
orgânico e formando o ciclo dos Patriarcas, inscrito depois no
livro do Génesis, e anteposto ao livro do Êxodo.
SERÃO OS RELATOS DOS PATRIARCAS
HISTÓRIA VERDADEIRA?
Hoje, a História é uma verdadeira
ciência, que se baseia em fontes fidedignas, o que não aconteceu
na antiguidade. Naquele tempo, os autores não davam importância
à exactidão cronológica ou à fidelidade das fontes, antes
escreviam para revelar o sentido profundo da História. O
significado, que está para além dos simples acontecimentos, e
que no caso específico dos autores da Bíblia era a acção de
Deus, o Senhor da História.
No médio oriente, antes da era
comum, o mito e a História conviviam.
O mito exprime o real, mas de forma
abstracta, relegando-o para um evento primordial já acontecido
que se repete e que faz parte do mundo transcendente. O mito não
é susceptível de se situar num tempo e num espaço precisos. Não
foi assim com os hebreus, que se diferenciaram dos Cananeus e
dos outros povos do Médio Oriente, porque não colocaram um mito
no princípio da sua história, mas sim factos históricos,
realizados por homens da sua própria estirpe. Estes factos foram
apresentados segundo o estilo das narrativas que circulavam
naquele tempo, como a história da salvação, onde um deus
protector prometia aos chefes de um clã a bênção e a
prosperidade.
Podemos dizer que as narrativas dos Patriarcas têm um núcleo
histórico, no sentido contemporâneo do termo, revestido de uma
teologia que quer transmitir uma mensagem importante para a fé e
não se preocupa com as eventuais incongruências históricas.
Assim, Abraão, Isaac e Jacob, chefes de clãs separados, aparecem
de facto apresentados como parentes (pai, filho e neto) e as
suas histórias foram fundidas numa única história da salvação.
Mas há outras incongruências: Abraão parte de cidades diferentes
(Vd Gn12,4 e Gn15,7); faz-se menção aos Caldeus que ainda não
existiam; fala-se dos Filisteus e Aramaicos que não estavam
ainda juntos naquela zona e naquele tempo; a citação de Mambré é
anacrónica porque, segundo a arqueologia, não existia ainda no
tempo dos Patriarcas.
Os relatos dos Patriarcas não
podem, pois, ser vistos como uma simples biografia dos
antepassados de Israel, nem como uma crónica fiel da sua
peregrinação, mas como relatos teológicos.
Por conseguinte, não pode admitir-se uma leitura fundamentalista
dos relatos, uma leitura que os interprete literalmente.
(Veja-se A Interpretação da Bíblia na Igreja, Comissão
Pontifícia Bíblica, 1993). Nestas narrativas, há sempre um
núcleo histórico distinto da reflexão teológica do autor, que
quer revelar a identidade do Deus de Israel.
Os relatos dos Patriarcas são um
modo pelo qual os autores sagrados manifestaram a sua fé na obra
de Deus na própria História, confessando a soberania do Senhor
sobre tudo quanto aconteceu, acontece e acontecerá.