O
narrador retoma o fio da narrativa precisamente onde a tinha deixado
antes da travessia de Jaboc.
Recordamos que Jacob queria encontrar-se com o irmão para se reconciliar com ele
mas tinha medo dele, especialmente por saber que estava a chegar com 400 homens.
vv. 1-2Então distribuiu os filhos entre Lia, Raquel e as duas escravas...
Astutamente Jacob coloca as pessoas que lhe são mais caras em fila, de forma a
melhor as proteger.
v. 3Ele passou-lhe à frente e prostrou-se por terra sete vezes… Jacob
permanece fiel ao seu desejo de se mostrar “servo” do irmão que considera
superior a si. Esta humildade, percebida como autêntica pelo irmão, desbloqueia
a situação. O autor parece querer dizer que:
Sem humildade não pode haver
reconciliação.
v. 4 Esaú correu-lhe ao encontro,
abraçou-o, deitou-se-lhe ao pescoço, beijou-o e choraram. Permanece-se maravilhado perante
esta miraculosa reconciliação expressa deste modo tão enfático. Nem Lucas na
parábola do pai misericordioso emprega tantos verbos (Lc 15,20). Tudo aparece
perdoado. Esaú não mais recorda o roubo da primogenitura e a sua raiva tornou-o
num irmão afectuosíssimo. Com isto percebe-se que a história da salvação é uma
história de “maravilhas” inesperadas, criadas por Deus através da
disponibilidade de alguns “chamados”. Vejam-se os patriarcas, como se tornaram
instrumentos de bênção.
v.5aDepois levantando os olhos e viu as mulheres e as crianças... Esaú vê o
irmão rodeado de muita gente e pede explicações.
v.5bSão os filhos com os quais Deus favoreceu o teu servo. Jacob não responde
como responderíamos nós, dizendo: “são os meus filhos”. Mas num modo tipicamente
hebraico referencia tudo a Deus que lhe concedeu a graça dos filhos. É de novo
repetido o conceito de Jacob como servo do irmão.
vv. 6-7Então aproximaram-se as escravas… e prostraram-se… Na mesma linha de
Jacob todos os membros da família se mostraram deferentes, comportando-se como
se estivessem diante de alguém que sentem ser superior a si.
vv. 8-9O que é esta caravana toda?... Esaú pede uma explicação sobre a caravana
encontrada atrás, que Jacob lhe tinha enviado como presente. Inicia-se um
despique entre os dois irmãos, um oferecendo os seus presentes e o outro que não
os quer aceitar, porque não se sente necessitado deles.
v. 10Mas Jacob disse: “Não, peço-te… aceita… o meu presente porque por isto pude
ver o teu rosto como se visse o rosto de Deus… Para o autor, a reconciliação
é vista como uma teofania, tudo é colocado numa nova ordem e para o narrador:
Numa reconciliação entre
irmãos, o irmão ofendido que perdoa reflecte o rosto de Deus.
Será o que acontecerá na morte de
Jesus na cruz (Lc 23,34).v.11 Aceita então a minha bênção …
e insistiu tanto que ele aceitou. Jacob agora oferece um presente
abundante que chama “bênção” e insiste para que seja aceite, ele próprio que
tinha roubado a bênção do pai. A insistência para que Esaú aceite o presente
justifica-se como ratificação da reconciliação acontecida.
v. 12Partamos e vamos, eu caminharei à tua frente… Esaú oferece-se
gentilmente para acompanhar o irmão.
vv. 13-14O meu senhor sabe que as crianças são delicadas… Jacob acrescenta muitas
desculpas para não ser acompanhado. Não se entende porquê. Não confia? Diz
querer ir para sul, na mesma direcção do irmão, em direcção à montanha de Seir,
a sul do Mar Morto, a zona de Esaú, mas não com ele. v.15Disse então Esaú: “Permite ao menos que te deixe alguma da gente que tenho ”…
Resposta: “Mas porquê?... Gentilmente Esaú quer deixar-lhe uma escolta, mas
Jacob recusa. Aqui o narrador mostra claramente que os dois irmãos se devem
dividir, devem seguir caminhos diversos. Numa chave de interpretação popular
parece que com esta separação dos dois irmãos se torne sancionada a separação de
Israel de Edom e Arão, abaixo de Edom.
v. 17Jacob partiu para Succot. Esta localidade encontra-se a norte do Jaboc.
Provavelmente aqui, as lendas falariam de Jacob em Succot, termo que significa
‘cabanas de ramos ’. Por isso o autor recorda que aqui Jacob construiu cabanas
para os rebanhos.
v. 18E Jacob chegou em paz à cidade de Siquém… Jacob vindo do
Nordeste entra finalmente na terra de Canaã e acampa fora da cidade
de Siquém.
v. 19Depois comprou… aquela porção do campo onde tinha fixado a tenda. Jacobparece querer tornar-se um pastor sedentário. Já Abraão tinha comprado um
terreno para a sepultura de Sara, como primícia da posse da terra (Gn 23,17).
Ora Jacob pacificamente toma posse de um outro território, Siquém, que se
tornará um centro espiritual importante.
v.20Aí ergueu um altar e o chamou de “El, o Deus de Israel”. Já Abraão (Gn
12,7; 13,18) e Isaac (Gn 26,25) tinham erigido um altar mas tinham-nos dedicado
a Adonai que lhes tinha aparecido, aqui Jacob dedica-o ao Deus El que lhe
apareceu em Betel (= casa de El). O Deus El era o Deus dos Cananeus que as
tradições de Jacob transformaram no Deus dos patriarcas.